O ano era 451 d.C. A Igreja já havia enfrentado perseguições, heresias e divisões internas. Mas uma pergunta ainda agitava os líderes cristãos: quem é Jesus Cristo em sua essência? Verdadeiramente Deus, verdadeiramente homem — mas como essas duas naturezas se relacionam?
Foi para responder definitivamente a essa pergunta que se reuniu o Concílio de Calcedônia, o quarto concílio ecumênico da história da Igreja.
O que aconteceu ali moldou profundamente o pensamento cristão e ainda hoje fundamenta a ortodoxia de milhões ao redor do mundo.
1. O Contexto Histórico do Concílio de Calcedônia
Após o Concílio de Éfeso (431), a Igreja parecia ter reafirmado a união entre as naturezas divina e humana de Cristo. Porém, surgiram novas controvérsias. Desta vez, o centro do debate era a doutrina conhecida como monofisismo, defendida por Eutiques, um abade de Constantinopla.
O Que Era o Monofisismo?
O monofisismo afirmava que, após a encarnação, Jesus Cristo tinha apenas uma natureza — uma fusão da humana com a divina. Em oposição a isso, muitos líderes, como o papa Leão I, sustentavam que Jesus possuía duas naturezas distintas, unidas em uma só pessoa.
O império romano do oriente, dividido teologicamente, buscava uma solução que unisse doutrina e estabilidade. Foi nesse contexto que o imperador Marciano convocou o concílio na cidade de Calcedônia, próxima a Constantinopla.
2. Participantes e Estrutura do Concílio
Mais de 500 bispos, principalmente do Oriente, reuniram-se sob a presidência dos legados papais enviados por Leão I. Também estiveram presentes representantes imperiais. A autoridade do Tomo de Leão — uma carta doutrinária enviada pelo papa — se tornaria central no debate.
3. Principais Decisões do Concílio de Calcedônia
Definição Calcedoniana: Duas Naturezas, Uma Pessoa
A declaração mais importante do concílio foi a fórmula calcedoniana, que estabeleceu:
“Jesus Cristo é um só e mesmo Filho, Senhor, Unigênito, reconhecido em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação.”
Com isso, o concílio rejeitou tanto o monofisismo quanto o nestorianismo (que separava demais as naturezas). A fórmula visava preservar a totalidade da divindade e da humanidade de Cristo, em perfeita união.
Reafirmação de Credos Anteriores
O concílio reafirmou os credos de Niceia (325) e Constantinopla (381), confirmando a continuidade doutrinária da fé cristã.
Condenações Doutrinárias
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Eutiques, principal defensor do monofisismo, foi condenado.
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Dióscoro de Alexandria, que havia presidido o polêmico concílio de Éfeso em 449 (conhecido como o “Concílio Roubado”), também foi deposto.
Cânones eclesiásticos
Foram aprovadas normas sobre a organização e hierarquia da Igreja, incluindo o famoso Cânone 28, que conferia ao patriarca de Constantinopla posição igual à do bispo de Roma — ponto contestado pelo Ocidente.
4. Impacto e Legado do Concílio de Calcedônia
Unidade Cristológica Duradoura
A doutrina definida em Calcedônia permanece, até hoje, como base da cristologia ortodoxa nas igrejas católica, ortodoxa oriental e na maioria das tradições protestantes. Ela sustenta a fé em um Cristo plenamente Deus e plenamente homem (João 1:14; Hebreus 4:15).
Divisões Persistentes
Apesar de sua intenção unificadora, o concílio causou rupturas. Várias igrejas orientais (como a Copta e a Síria Ortodoxa) rejeitaram Calcedônia, acusando-o de pender ao nestorianismo. Surgiram as chamadas Igrejas Ortodoxas Orientais, que até hoje não aceitam a definição calcedoniana.
Base para o Discipulado e Evangelho
A correta compreensão de quem é Cristo tem implicações práticas:
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Ele é um mediador perfeito (1 Timóteo 2:5)
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Seu sacrifício tem valor eterno por sua natureza divina
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Sua obediência humana serve de modelo e redenção
5. Por Que Calcedônia Ainda Importa Hoje?
Num tempo de relativismo doutrinário e de visões diluídas sobre Jesus, Calcedônia nos recorda que há verdades fundamentais que sustentam a fé. A definição calcedoniana nos protege de heresias antigas e contemporâneas, como:
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Jesus como apenas um mestre moral
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Um Cristo “espiritualizado”, mas não histórico
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Um Salvador que não compreende nossa humanidade
A firmeza do Concílio de Calcedônia convida cada cristão a se firmar na verdade revelada, que gera liberdade (João 8:32) e segurança eterna.
Recursos Recomendados
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Livro: A Fé dos Primeiros Cristãos – J.N.D. Kelly
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Artigo: Calcedônia e a Ortodoxia Cristã – Ligonier Ministries
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Livro: The Christological Controversy – Richard A. Norris Jr.